sábado, 22 de agosto de 2009

CENTENÁRIO DE UMA VIDA

No dia 23 de fevereiro de 2010 minha mãe estará completando 100 anos de vida! Isso tem uma simbologia muito ampla e complexa na minha imaginação, na minha compreensão do mundo, na minha interação com ela e na minha relação comigo mesma... Aliás, acho que todos que fazem parte da família e os amigos que acompanham sua trajetória de vida e se preparam para festejar o seu centenário guardam em si um sentimento de alegria e adimiração, quase espanto pelo que ela representa como elemento de uma época em que restam muitos poucos vivos e plenamente lúcidos como ela, no total domínio de suas memórias passadas e vivências do presente.
Falar de minha mãe, dona Apolônia Borges dos Santos Brandão, conhecida por todos com dona Santinha, não é tarefa fácil. Trata-se de um ser humano bastante complexo,
tanto pela forte personalidade que tem, como pela experiência de vida bastante singular que teve. Nasceu na Fazenda Altos, às margens do Rio Longá, afluente do rio Parnaíba, numa família de seis filhos, onde ela era a terceira e única mulher: Francisco, Pedro, Santinha, João, Higino e José, filhos de José Maria e Inês Borges dos Santos. Foi desta avó que herdei a primeira parte de meu nome. A segunda, Vitória, recebi de minha avó paterna que assim se chamava também.
Dessa forma a família Borges dos Santos vivia sua vida , aparentemente tranquila e sem muitas apreensões na bucólica atmosfera do campo, onde os afazeres se voltavam para a criação de gado e plantação dos gêneros alimentícios mais básicos do camponês daquela região, como o arroz, o feijão, o milho e a mandioca, de onde se tira a farinha e a goma, além de utilizada como alimento para os animais. O gado, além da carne, abastecia a casa da fazenda com o leite consumido pela família e o que sobrava era transformado em subprodutos como queijos, manteiga e doces.
A criançada crescia sadia e meu avô já preparava os dois mais velhos para os trabalhos de administrar a fazenda e outras terras que ele possuia na região. Minha mãe era uma espécie de boneca cabocla a quem ele fazia todos os mimos, dedicava um amor irrestrito, verdadeiro encantamento, o que causava sérios ciúmes em minha avó Inês, que por seu lado, desenvolvia laços mais sólidos e afetivos com os filhos homens.
Minha mãe tinha 14 anos qusndo a primeira grande tragédia se abateu sobre a família. Não se sabe explicar ao certo, se proposital ou acidentalmente, numa certa manhã, quando meu avô se preparava para "correr as terras da fazenda" com o administrador, antes de sair do quarto onde guardava documentos e objetos ligados ao trabalho, ouviu-se um tiro de rifle que deixou todos em estado de interrogação e meio paralisados pelo inédito do fato. Quando o primeiro adulto se dirigiu para o local de onde havia vindo o tiro, já encontrou meu tio Higino, que tinha 2 anos na época ,caminhando no corredor que dava acesso ao quarto de onde viera o tiro e do qual ele acabava de sair. No caminho por onde ele pisava iam ficando as marcas de sangue que se
desprendiam de seus pezinhos de criança inocente que não se dera conta do terrível fato que adi acontecera. Meu avô foi encontrado morto , com um tiro na cabeça, caido sobre uma grande poça de sangue...
O que aconteceu a todos naquele momento, é difícil de medir a extensão dos sentimentos de cada um. Mas um verdadeiro caos se estabeleceu, a começar por minha avó que entrou em verdadeiro desepero e que veio a desencadear numa profunda e duradoura depressão. Minha mãe, perdia o pai amoroso, o amigo de todas as horas , o protetor de todos os perigos...e tudo isso quando era apenas uma adolescente, recém saída da infância...Francisco e Pedro, os dois mais velhos, com seu 16 e 17 anos tiveram que amadurecer instantaneamente e assumir as rédeas dos negócios da família, o que fizeram com muito empenho e sabedoria.
Discutir se a morte foi um acidente ou suicídio não levou a uma conclusão definitiva , mas ficou acertado e aceito que foi um acidente. Afinal não havia nenhum indício do desejo de fugir à vida, nenhum bilhete que explicasse a razão para um ato tão extremado , nenhum fato que levasse a pensar num pensamento de morte. Assim, para todos ficou concluido que a arma disparou acidentalmente... A verdade? Nunca iremos saber. E creio que, lá no fundo, esta dúvida permaneceu no coração de cada uma das pessoas ligadas ao acontecimento, marcando-as a ferro e fogo com a dor dessa perda prematura e envolvida de mistério...
Minha mãe, com a depressão de minha avó, assumiu as rédeas da família. Passou a cuidar dos irmãos mais novos como se fossem seus filhos. Encaminhou-os nos estudos e daí, João e Higino seguiram a carreira militar. José, formou-se em agronomia. E dessa forma, mudaram os rumos que já pareciam traçadaos para que todos permanecessem nas atividades do campo como seus antepassados.
Com o tempo , minha avó foi saindo da depressão , mas nunca voltou a ser uma pessoa de uma vida considerada normal. Eu nunca a vi sorrir. Nem me lembro de que tenha falado uma única vez comigo. Usava sempre uma roupa toda preta, os cabelos presos e um ar sério de quem não tem motivos para ser feliz. A relação com minha mãe nunca foi das mais fáceis, eram distantes por natureza. Mas quando, muitos anos depois, ela adoeceu novamente, tomada por outra depressão, foi morar em nossa casa, onde permaneceu por 15 longos anos , até sua morte. Essa experiência de tê-la morando em nossa casa com esse processo depressivo que se alternava em momentos de apatia e momentos de agitação foi muito complicado para todos nós. Em alguns momentos ela chegou mesmo a tentar suicídio, cortando os pulos! Minha mãe , de certa forma estava sempre impaciente, mau humorada, sem muito tenpo para dedicar a si mesma, à família e a mim, que tinha somente 05 anos na época em que ela passou a morar conosco. A solução que encontrei para minha solidão foi criar um mundo só meu e nele passei a convier com minha melhor amiga: a minha imagem refletida no espelho!
Minha mãe abriu mão de uma vida própria. Meu pai , muito compreensivo , permitiu que isso acontecesse sem muitas cobranças e dando todo o apoio. Meus irmãos, Júlio César e Osvaldo eram 09 e 10 anos mais velhos que eu e eu nunca soube como tudo isso foi administrado em suas cabeças e corações. A gente nunca conversou sobre isto. São tantas coisas importantes que se deixa de comentar com as pesoas que vivenciam os fatos conosco!...

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VIVENDO, CONVIVENDO E APRENDENDO

Estar em contato com outras pessoas é sempre instigante e enriquecedor. Nos dias atuais as distâncias entre as pessoas crescem. O tempo para viver as relações de amizade e até mesmo familiares fica cada vez mais curto. Dessas dificuldades surge a necessidade de uma nova forma de relacionar-se , a busca de um meio mais simples e efetivo para atenuar a falta do papo colocado em dia no banco da pracinha, o encontro descompromissado para tomar um chop no fim do trabalho, a ida ao cinema e tantos outros programas simples que foram se complicando com as dificuldades do trânsito, com o crescimento da violência urbana e tantas outras dificuldades que enfrentamos diariamente.
Daí, o bem do encontro virtual. Pode não ser o ideal, mas é o real, o possível.E é pensando nisso que tentarei estabelecer um maior contato com as pessoas que são importantes para mim através deste Blog. São todos bem vindos e os recebo com muito carinho neste espaço onde tentaremos diminuir as distâncias e fazer o tempo correr um pouco mais lentamente...
INÊS VITORIA Salvador, 11 de julho/2009

LIVROS QUE LI RECENTEMENTE E AMEI!!!

  • -A SOMA DOS DIAS
  • Memórias Autora: Isabel Allende
  • - LEILA DINIZ
  • Biografia Autor: Joaquim ferreira dos santos
  • -TUDO QUE EU QUERIA TE DIZER
  • Crônicas Autora : Marta Medeiros